Escritórios descentralizados são tendência também no agronegócio

Startups tomam a dianteira na diversificação dos ambientes, e grandes companhias seguem pelo mesmo caminho

“A pandemia finalmente tirou o Vale do Silício do pedestal”, diz o fundo de capital de risco americano Initialized Capital na apresentação de um levantamento que traça o perfil dos ambientes de trabalho pós-covid. Ano a ano, o fundo já vinha percebendo um esvaziamento dos escritórios no Vale entre as startups do seu portfólio e em uma pesquisa realizada em janeiro último ouviu de mais de 40% dos empreendedores entrevistados (de um grupo de cerca de 90 respondentes) que o melhor lugar para começar uma empresa depois da pandemia será na nuvem! O alto custo de vida no Vale do Silício e a intensa competição das grandes empresas de tecnologia com as startups por novos talentos, ajudam a explicar o movimento.

Além do trabalho remoto, os espaços compartilhados devem ser os protagonistas dessa nova fase. Na mesma pesquisa, apenas 26,5% dos empreendedores afirmou que retornará ao trabalho no seu antigo escritório, com a possibilidade ou não de intercalar a jornada com dias de home office. Enquanto a esmagadora maioria está decidida a adotar modelos descentralizados de trabalho. A estratégia preferida por 37,3% dos entrevistados é a do “hub and spoke”, de escritórios menores em várias localidades, ao passo que 36,1% estão dispostos a acordar de manhã e conviver com ambientes de trabalho totalmente descentralizados. Nesse modelo, é o funcionário quem decide se trabalha de casa, da sede da empresa, de uma cafeteria aconchegante ou da cadeira cativa da empresa em coworkings e hubs de inovação. Abaixo, os diagramas que representam os diferentes modelos, segundo a Initialized Capital:

Nem só de casa, nem só da firma
Em entrevista ao AgTech Garage News, Miguel Assunção, sócio da consultoria para Gestão de Pessoas da EY (que presta serviços de auditoria, consultoria, impostos, estratégia e transações), destaca que a pandemia reforçou a natureza do ser humano de prezar pelos relacionamentos e que, apesar de algumas funções poderem, de fato, ser executadas à distância, tende a prevalecer o modelo híbrido de trabalho nas empresas que lidam com inovação, sobretudo as startups e gigantes de tecnologia — como o Google, cuja foto do novo modelo de escritório, cedida ao The News York Times, abre essa reportagem.

“A força de trabalho criativa, que coordena processos que tenham como objetivo melhorar operações e serviços, demanda muita interação entre a equipe, outros pares, outras áreas e vai buscar novos formatos de trabalho, como ter um conceito de escritório que seja um ambiente colaborativo”, diz Assunção. A ideia, segundo ele, é que esses locais funcionem como “ímã para a inovação”, atraindo pessoas para pensar sobre novos produtos e serviços, fomentar a cultura empreendedora e buscar alcançar melhores resultados financeiros para suas companhias. No caso das startups, incluindo as agtechs, não é de hoje que se tornou comum alocar representantes em hubs de inovação e coworkings, tocando operações inclusive de forma autônoma em diferentes polos, seja de um mesmo país ou diferentes países do globo.

“A pandemia mostrou que há tecnologia para suportar o home office, mas que nós, seres humanos, temos a necessidade de estarmos juntos“
Pesquisa ampla realizada pela EY com mais de 2 mil pessoas de diferentes áreas na América Latina (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México e Peru) durante a pandemia apontou preocupações recorrentes com o trabalho 100% em casa: o acesso limitado a espaços privados por conta da presença da família (22,2%), a dificuldade de manter conversas abertas com parceiros e fornecedores (13,7%), o sentimento de estar sozinho e desconectado (13,2%), além da própria velocidade da internet, que geralmente é mais lenta nas residências (27,3%).

Modelos híbridos nas empresas do agro
Para boa parte dos funcionários das empresas do agronegócio — sua maioria indústrias, a céu aberto (fazendas) ou fechado (usinas, frigoríficos, produtoras de insumos, processadoras de alimentos) — trabalhar do campo e das fábricas é uma necessidade. Mas, ainda assim, há nessas companhias equipes que se concentram em pensar o futuro dentro e fora desses ambientes.

Em meio à pandemia, o Genesis Group (empresa que atua com certificação, auditoria e monitoramento a campo nas cadeias de grãos, leite, carne bovina, frutas verduras e legumes) anunciou a criação de um espaço físico próprio dentro do hub de inovação AgTech Garage, em Piracicaba (SP), região tida como o Vale do Silício brasileiro. Nelson Bechara, CEO da Genesis Group, afirma que ele, pessoalmente, pretende trabalhar direto do hub pelo menos um dia por semana.

“Na posição de CEO, é minha responsabilidade me antecipar ao que está acontecendo no mercado e não tenho dúvidas de que estar no hub respirando inovação e novidades vai me permitir abrir a cabeça”, diz Bechara, que estava no AgTech Garage no momento da entrevista. Em relação ao cenário pós-pandemia, ele disse que espera que o trabalho da empresa esteja cada vez menos entre quatro paredes e mais em espaços de convívio colaborativo. “Queremos trazer não só o pessoal da empresa para dentro do hub, mas fazer reuniões externas aqui. O hub passa a ser uma filial importante para o nosso negócio por ter esse caráter de ampliação do nosso campo de visão”, explica.

Segundo Giankleber Diniz, diretor geral no Brasil da empresa francesa de saúde animal Ceva, ficou latente entre os funcionários que puderam desempenhar suas funções de casa, 130 de um total de 620 no país, as limitações do trabalho remoto. “Se de um lado as pessoas ganham em qualidade de vida, de outro perdem a interação física, que para nós sempre foi muito importante”, diz. Na convenção anual que reúne todas as equipes da Ceva, um dos recursos usados foi inclusive um estúdio profissional, para promover uma conexão maior entre as pessoas e fazer treinamentos mais interativos. “Tivemos inclusive um cavalo virtual para o estúdio e ali a consultora interagia em tempo real com o animal e o nosso público”, conta. Sobre o modelo de trabalho para as equipes administrativas no pós-pandemia, Diniz afirma que ainda está sendo estudada a melhor abordagem. Hoje, a empresa tem um escritório central em Paulínia (SP) e uma estrutura menor em Juatuba (MG), além do espaço Ceva Insights no hub AgTech Garage.

Nos planos da própria consultoria EY, está abrir um escritório em Ribeirão Preto (SP) para ficar mais perto dos clientes, especialmente do agronegócio. “O escritório em Ribeirão será um ambiente para colaboração e co-criação de soluções integradas com os nossos clientes e terá o conceito de hotelling”, afirma Miguel Assunção. O hotelling é um método de gerenciamento de escritórios em que os funcionários se programam para usar a infraestrutura de trabalho de forma rotativa, compartilhando mesas e salas de reunião. “O nosso consultor que presta serviço em uma usina, por exemplo, vai poder receber o cliente nesse escritório. É um modelo interessante para atender o agro”, conclui.

Por Marina Salles |Reportagem publicada no portal AgTech Garage News

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